Nem sempre é falta de disciplina. Às vezes, é outra coisa.
Bianca Oliveira
Nutricionista ClínicaNem sempre é falta de disciplina. Às vezes, é outra coisa.
Você já se sentiu frustrada por não conseguir manter uma rotina saudável e pensou: “falta disciplina”?
Essa frase é comum. Mas será que ela é justa?
A verdade é que a sensação de fracasso constante não é, necessariamente, falta de força de vontade. Diversos estudos mostram que os comportamentos de autocuidado são influenciados por muitos fatores além da disciplina individual: contexto, exaustão, estresse, metas mal definidas e até o modo como você conversa consigo mesma.
Hoje, quero te mostrar o que pode estar por trás da sua dificuldade de manter hábitos — com embasamento científico, não com culpa.
1. Falta de planejamento não é falta de disciplina
Muitas pessoas desejam mudar seus hábitos, mas falham por não planejar como e quando essas mudanças ocorrerão. Isso não significa indisciplina — significa ausência de estrutura.
📚 Referência: Segundo a American Psychological Association (APA), o planejamento de ações específicas aumenta significativamente a chance de mudança de comportamento sustentável (APA, 2016).
Exemplo:
Você quer comer melhor, mas não planejou as refeições. No meio da correria, acaba recorrendo ao mais fácil: fast food ou snacks ultraprocessados.
O que ajuda: Estratégias de implementação (como deixar lanches saudáveis à vista ou montar o cardápio da semana) aumentam a adesão a comportamentos saudáveis (Gollwitzer & Sheeran, 2006).
2. Metas irreais geram frustração (não disciplina)
Metas muito ambiciosas ou rígidas, como “vou treinar todos os dias” ou “nunca mais vou comer açúcar”, podem gerar o efeito oposto: desmotivação e desistência precoce.
📚 Referência: A Teoria da Autodeterminação (Deci & Ryan, 1985) aponta que metas autodeterminadas, realistas e conectadas com o valor pessoal geram mais motivação e persistência do que metas idealizadas.
Como resolver: Comece com metas pequenas, específicas e alcançáveis — como 10 minutos de caminhada, preparar uma refeição a mais por semana ou beber mais água por dia. O progresso sustentado vem do possível, não do perfeito.
3. Perfeccionismo paralisa
O famoso pensamento “já que errei, vou desistir” é um dos maiores sabotadores de hábitos saudáveis.
📚 Referência: A literatura em Psicologia Comportamental mostra que o perfeccionismo está associado a maior desistência diante de pequenas falhas e a menor resiliência diante dos erros (Shafran et al., 2002).
O que ajuda: Adotar uma mentalidade de crescimento — onde os erros são vistos como parte do aprendizado, não como sinal de fracasso — melhora a adesão a mudanças de comportamento.
4. Exaustão física e mental não é preguiça
Você pode estar tentando ser produtiva, ativa e saudável… Mas o corpo e a mente não estão colaborando. O motivo? Pode ser cansaço crônico, sobrecarga emocional ou estresse.
📚 Referência: A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2019) reconhece o burnout como uma síndrome ocupacional associada ao estresse crônico no trabalho, e estudos relacionam esse estado à menor capacidade de engajamento em autocuidado (Maslach & Leiter, 2016).
O que fazer: Descanso é necessário para regeneração física, emocional e cognitiva. Tentar se forçar em um estado de esgotamento pode agravar o problema.
5. Falta de conexão com o objetivo = falta de adesão
Você pode estar tentando seguir um plano que não faz sentido pra sua realidade. Isso gera resistência interna e desconexão.
📚 Referência: Estudos em Psicologia da Saúde mostram que quando o comportamento está alinhado com valores pessoais (como saúde, bem-estar, independência), há mais adesão e consistência (Schunk & DiBenedetto, 2020).
Exemplo: Se seu motivo para comer melhor for estético, mas seu verdadeiro valor for saúde e energia para cuidar da família, você precisa alinhar sua meta com esse valor central.
6. Autocrítica excessiva mina o processo
A forma como você se trata diante das falhas faz toda a diferença. Pessoas com altos níveis de autocompaixão conseguem manter hábitos saudáveis com mais consistência e menos culpa.
📚 Referência: Kristin Neff (2011), uma das principais pesquisadoras sobre autocompaixão, mostra que esse fator está relacionado a maior resiliência, menor procrastinação e maior adesão a práticas de autocuidado.
O que ajuda: Falar consigo com gentileza, reconhecer que o erro faz parte da experiência humana, e se tratar como trataria uma amiga.
Em resumo: a tal “falta de disciplina” pode ser:
- Falta de planejamento (APA, 2016)
- Metas irreais (Deci & Ryan, 1985)
- Perfeccionismo (Shafran et al., 2002)
- Exaustão (OMS, 2019)
- Falta de conexão com os valores (Schunk & DiBenedetto, 2020)
- Autocrítica excessiva (Neff, 2011)
Conclusão
- Você não precisa de mais bronca. Precisa de mais clareza.
- Mudar hábitos é um processo complexo — e ele começa com honestidade.
- Olhe para a sua rotina com gentileza. Reflita sobre o que está te travando. Planeje o possível. Descanse quando precisar. Celebre os pequenos passos.
- Disciplina se constrói. Mas não com culpa — e sim com consciência, compaixão e constância.
Referências:
American Psychological Association. (2016). Strategies to promote behavior change.
Gollwitzer, P. M., & Sheeran, P. (2006). Implementation intentions and goal achievement: A meta-analysis of effects and processes. Advances in Experimental Social Psychology.
Deci, E. L., & Ryan, R. M. (1985). Self-determination theory.
Shafran, R., Cooper, Z., & Fairburn, C. G. (2002). Clinical perfectionism: A cognitive–behavioural analysis. Behaviour Research and Therapy.
Maslach, C., & Leiter, M. P. (2016). Burnout. In Stress: Concepts, Cognition, Emotion, and Behavior.
World Health Organization. (2019). Burn-out an "occupational phenomenon".
Schunk, D. H., & DiBenedetto, M. K. (2020). Motivation and social-emotional learning. In Contemporary Educational Psychology.
Neff, K. D. (2011). Self-compassion, self-esteem, and well-being. Social and Personality Psychology Compass.